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Tempo corre a favor da Coreia do Norte

Autor: Alexandre Uehara

São Paulo, 29 de Junho de 2017

Em maio de 2017 a Coreia do Sul elegeu o Presidente Moon Jae-In, um político progressista do Partido Democrático, que demonstrou em sua campanha, e depois de eleito, disposição por uma aproximação com a Coreia do Norte. Entretanto, a pergunta é como fazer, como lidar com o governo de Kim Jong-Un, o líder norte-coreano, desde que assumiu em 2011.

Historicamente um importante parceiro da Coreia do Norte, desde o final da Segunda Guerra Mundial foi a ex-URSS, relação que depois foi transferida para Rússia. Moscou era o principal interlocutor internacional de Pyongyang e, também, era quem fornecia além do apoio político, as principais ajudas econômicas. Kim Il Sung, o primeiro da família Kim que domina a Coreia do Norte desde o final da segunda Guerra Mundial, tinha fortes relações com a Nikita Khrushchev, fazendo com que houvesse uma forte influência soviética na política norte-coreana, tanto no âmbito doméstico como externo. Kim Il Sung foi o responsável pela implantação das políticas repressivas e ditatoriais do governo e da obrigação de culto ao líder. Até hoje ele é venerado, fotos suas são exibidas em vários locais do país.

A cooperação de Kim Il Sung com os soviéticos foi também o que permitiu o início do programa de pesquisas nucleares e os primeiros mísseis da Coreia do Norte eram do tipo Scud, de fabricação soviética. Foram décadas de relacionamento que perduram de maneira importante até 1989, ano que marca, pelo enfraquecimento da ex-URSS, o final da Guerra Fria. A partir desse ano as relações com a Ex-URSS perdem importância e a China se transformou no principal aliado, apoiando com ajudas a Coreia do Norte e defendendo-a nos fóruns internacionais.

Até 2017 a China vinha sendo o principal parceiro do governo de Pyongyang e intermediador das negociações 5+1 (China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão, Rússia e mais a Coreia do Norte). Contudo, nos últimos anos mesmo a China não tem se demonstrado capaz de ter sucesso nas conversações com a Coreia do Norte. Neste ano, as relações comerciais entre os dois países diminuíram, o que é indicador da insatisfação da China com as ações da Coreia do Norte, principalmente porque uma das principais reduções foi a das exportações chinesas de óleo combustível, extremamente importante para economia norte-coreana. Em contrapartida a Rússia nesse mesmo período ampliou suas relações comerciais com a Coreia do Norte, voltando a ser um importante parceiro comercial.

Isso não é garantia de que a Rússia virá a ocupar de novo o papel de protagonista nas conversações com Kim Jong-Un, nem que será possível se pensar em conversações mais confiáveis, mas pelo menos ameniza o risco de maior isolamento norte-coreano em relação à comunidade internacional.

Houve conversações também com o governo norte americano. Em 1994, os EUA, sob o governo de Bill Clinton, e a Coreia do Norte ainda governado por Kim Il-Sung, que morreria poucas semanas depois do acordo, concordavam que Pyongyang congelaria seu programa nuclear em troca de novos reatores de água leve, que não produziria plutônio altamente enriquecido, e petróleo. O acordo não avançou, e a Coreia do Norte em 2003 decidiu sair do Tratado de Não Proliferação Nuclear.

Após esse acordo, outros foram negociados com os Estados Unidos e com a comunidade internacional para pôr fim ao desenvolvimento nuclear e de mísseis da Coréia do Norte. No entanto, sem sucesso, como se pode observar pelos fatos recentes dos testes norte-coreanos de mísseis e explosões de bombas. Foi um período de esforços, frustrações, impasses e crises, que demonstra o tamanho do desafio internacional para conter o progresso da Coreia do Norte.

Negociações multilaterais também foram tentadas, em 2003 foi instituído o grupo de conversações de seis partes (Six party talks, em inglês) para tentar acordos que atendessem as necessidades de ajudas norte-coreanas e viabilizassem a interrupção do programa nuclear e de mísseis. Também não houve sucesso nas conversações, tanto, que os encontros estavam paralisados desde 2008. Houve uma retomada dos encontros com uma nova rodada realizada em Tóquio, em abril de 2017, mas sem resultados.

Finalizasse este artigo apontando que a incapacidade de se obter compromissos e resultados concretos em relação à interrupção dos programas nuclear e balístico norte-coreano, seja por atores individuais sejam pelas negociações coletivas, permitiram Pyongyang desenvolver bombas e mísseis que tornaram o custo crescente para as negociações. Em 1994 quando houve a negociação pelos EUA, a Coreia do Norte ainda não era uma potência nuclear, pois não havia desenvolvido as tecnologias para as bombas nucleares e os mísseis de longo alcance. Hoje, não só realizaram testes nucleares, como também a bomba de hidrogênio e caminham para miniaturização de ogivas. O tempo só é favorável a Kim Jong-Un.

Alexandre Uehara é Coordenador do Grupo de Estudos sobre Ásia do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (NUPRI) da USP.