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Irã: O que esperar do novo governo de Hassan Rouhani?

Autor:  Isabelle C. Somma de Castro

São Paulo, 22 de Maio de 2017

A reeleição com vitória expressiva nas urnas, com 57% dos votos contra 38% de Ebrahim Raisi, do presidente iraniano Hassan Rouhani não surpreendeu analistas, mesmo com o apoio nada desprezível da ala conservadora, liderada pelo Aiatolá Ali Khamenei, ao candidato opositor. Khamenei, o clérigo que realmente dá a palavra final nos rumos da política interna e externa da República Islâmica do Irã, está bastante disposto a influenciar a escolha de seu sucessor – que ascende somente com sua morte – e Raisi, que saiu derrotado nas urnas, é um dos candidatos ao cargo de líder supremo do país. Apesar de não ter um papel oficial na hierarquia governamental, o aiatolá tem bastante influência sobre os demais poderes.

Rouhani colheu nas urnas os frutos do acordo firmado com os EUA, em 2015, pelo qual se comprometeu a abandonar o desejo de avançar etapas de enriquecimento de urânio e manter o programa nuclear do país com fins meramente pacíficos. Em troca, foram levantadas parte das sanções internacionais que o país sofria desde o começo dos anos 2000. Tal fato significou a possibilidade de vender mais petróleo, principal alavanca de seu Produto Interno Bruto, ocasionando aumento do PIB e queda da inflação – mesmo com o preço do produto depreciado.

O presidente reeleito foi, durante a década de 1990, um dos principais negociadores envolvidos em tratativas relacionadas ao programa nuclear iraniano, que teve início pelo menos duas décadas antes da Revolução Islâmica de 1979. Por esse motivo, Rouhani era um dos nomes mais indicados para lidar com a questão nuclear, principalmente durante a janela de oportunidade que surgiu com a ascensão de John Kerry no Departamento de Estado norte-americano. Hillary Clinton, a ocupante anterior do cargo, desprezou o acordo costurado por Brasil e Turquia em 2010 que, segundo o chanceler brasileiro Celso Amorim, havia ganho sinal verde de Obama no momento inicial.

O acordo de 2015 fez com que a produção de barris de petróleo iraniano mais do que dobrasse desde que as sanções deixaram de valer. Isso contribuiu para estabilizar os preços pagos pelos iranianos no seu dia a dia – a alta inflação despencou de índices de dois dígitos para um dígito –, mas não se reverteu em queda no índice de desemprego, que se manteve em quase 12%. A população começou a sentir os benefícios do acordo, mas certamente esperam reflexos ainda mais positivos em um futuro próximo.

Esse é certamente um dos fatores que pesaram para a permanência de Rouhani em detrimento de Raisi, que poderia reverter a negociação, vista com olhos pouco generosos pelos conservadores. As sanções econômicas deixaram marcas na economia do país e os iranianos certamente não esqueceram os difíceis anos que passaram, mesmo com a retórica de Raisi de se apresentar como uma espécie de pai dos pobres, disposto a dar mais atenção aos mais vulneráveis, que têm sofrido com o desemprego e se encontram na economia informal.

Por outro lado, a falta de empenho de Rouhani em realizar reformas significativas em setores como direitos humanos compromete a ideia de que ele seja um reformista e venha promover grandes transformações nos próximos anos. O presidente não parece empenhado em incrementar as liberdades individuais dos iranianos, nem relaxar o controle sobre a oposição – os principais líderes como Hussein Mousavi e Mehdi Karroubi permanecem em prisão domiciliar. Sabe-se, é verdade, que os principais órgãos de decisão, como o Judiciário, a Assembleia Consultiva e o Conselho dos Guardiões, estão totalmente subjugados ao regime, o que dá pouco espaço de manobra para o presidente. De qualquer forma, Rouhani demonstra ter um perfil mais moderado, que evita embates com o regime, do que realmente reformador, em que empreenderia mais frentes de colisão com os conservadores que dominam o país.

Por tudo isso, o segundo mandato de Rouhani aponta para uma ênfase em aumentar os laços com mercados externos e aliados internacionais importantes. A ênfase no chamado Ocidente – a Comunidade Europeia, grande compradora de seu petróleo, e os Estados Unidos, que sob Donald Trump podem comprometer o acordo nuclear firmado pelo seu antecessor, tem objetivos essencialmente pragmáticos, para garantir o fluxo das vendas de petróleo. As relações com a China e a Rússia também se mostram prioritárias, principalmente pela questão econômica no caso da China, que é uma grande compradora de petróleo, e pelo apoio na guerra da Síria, no caso da Rússia. Sabe-se que o Irã é um dos principais interessados na permanência de Bashar el Assad no poder e o apoio russo tem sido fundamental para que isso ocorra.

Além da questão econômica, outra preocupação que estará pendente durante o próximo governo será o embate pela sucessão de Ali Khamenei, o que não é nada trivial. O líder máximo do país foi recentemente operado de um câncer na próstata e tem uma idade avançada (77 anos). As tratativas para a sua sucessão, que passa por instâncias do Legislativo iraniano, já estão em curso. Khamenei foi presidente durante dois períodos na década de 1980 e se cacifou para ocupar o cargo que ficou vago com a morte de Ruhollah Khomeini em 1989. Uma vitória de Raisi indicaria que o caminho estaria aberto a ele para ocupar o cargo de Khamenei, seguindo seus passos. Não apenas a derrota nas urnas o enfraqueceu, mas outro duro golpe foi o apoio do neto de Khomeini, Hassan Khomeini, ao opositor Rouhani, ato sem precedentes na proeminente família. Mas para quem ostenta a simpatia de Khamenei, além do título de seyed e o turbante preto – símbolos de um suposto parentesco com o Profeta Muhammad, também alardeados pelos Khomeinis – talvez o jogo ainda não esteja totalmente perdido. De qualquer jeito, a disputa pode causar grandes dores de cabeça durante o governo Rouhani.

Isabelle C. Somma de Castro é Pesquisadora de pós-doutorado no Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (NUPRI) e no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo