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Egito: autoritarismo esvazia eleições presidenciais

Autora: Isabelle C. Somma de Castro

São Paulo, 29 de Março de 2018.

As eleições presidenciais em andamento no Egito esta semana podem parecer um flashback dos anos 80 e 90. Assim como naquela época, há 100% de certeza de que aquele que já ocupa o cargo permanecerá nele após o pleito – e provavelmente receberá mais de 90% dos votos. O reeleito também será um egresso das Forças Armadas, que não foi questionado pela imprensa e nem teve oposição durante a campanha, assim como duas décadas atrás. Afinal, a maior parte de seus inimigos estão na cadeia ou no exílio.

Abdul Fattah al Sisi pode parecer um Hosni Mubarak, mas não é. O ex-general, que liderou o golpe contra Muhammad Mursi, primeiro presidente eleito pelo voto popular do Egito em 2013, tem demonstrado uma disposição maior ao despotismo do que seus antecessores. Em sua primeira vitória, na eleição de 2014, Sisi realmente obteve grande apoio popular. Os principais motivos de sua popularidade foram a percepção de que ele seria um antídoto contra o mal avaliado governo do representante da Irmandade Muçulmana, e a esperança de que ele traria estabilidade ao país. Mas a lua de mel com o povo egípcio durou pouco.

O próprio processo eleitoral, cujo primeiro turno terminou ontem, dia 28 de março, é uma demonstração de seu pouco apego aos valores democráticos. Os principais opositores que demonstraram interesse em concorrer à presidência abandonaram suas candidaturas, como o veterano Ahmed Shafiq e o sobrinho do ex-presidente Anwar Sadat, Muhammad Sadat. Aqueles que se recusaram a renunciar ao desejo de concorrer, como Abdel Moneim Aboul Fotouh – que como Shafiq concorreu na eleição de 2012 em que Mursi foi eleito – e o general Sami Anan foram parar na prisão. [1]

E não são apenas os concorrentes à cadeira de presidente que têm sido assediados. Sisi também tratou de eliminar outros críticos. Prendeu jornalistas locais e expulsou os estrangeiros, [2] além de ter perseguido ativistas. O presidente sancionou no ano passado uma lei que impede ONGs no Egito de receber financiamento estrangeiro, o que inviabiliza a atuação de observadores independentes de direitos humanos no país. [3] Um desse ativistas, Muhammad Zaree, foi proibido de deixar o Egito em outubro passado para receber o prêmio Martin Ennals, considerado “o Nobel dos direitos humanos”. [4]

Atualmente, calcula-se que haja mais de 40 mil prisioneiros políticos no país e várias denúncias de execuções extrajudiciais, tortura e sequestros feitos por policiais têm sido feitas. “Entre outubro de 2014 e setembro de 2017, autoridades enviaram pelo menos 15.500 civis para cortes militares, incluindo 150 crianças”, afirma o relatório anual da Human Rights Watch de 2017 sobre o Egito. Um caso emblemático de como opera a violência policial no país foi o assassinato, em 2015, de Giulio Regeni, um estudante de doutorado da Universidade de Cambridge que pesquisava vendedores de rua no Cairo. O caso não está encerrado mas há fortes indícios de que as forças de segurança do país estejam envolvidas. Entre eles, o estado que o corpo foi encontrado – com marcas de tortura. [5]

Segundo Amr Hamzawy, do Center on Democracy Development and the Rule of Law, da Universidade de Stanford, o atual governo é um “modelo de autoritarismo modernizado”, [6] diferente do período Mubarak “Agora, quando você olha para o Egito, é um país governado pelos establishment militar e serviços de segurança. Você não pode encontrar um establishment civil significativo, você não encontra políticos forte o bastante para participar da política. Quando você se volta a ministros civis, vê um claro padrão de submissão. Eles são controlado pelos militares e serviços de segurança. Este nunca foi o caso de maneira tão drástica sob Mubarak”, afirma Hamzawy um ex-membro do parlamento egípcio que, sob ameaça, optou pelo exílio.

Um reflexo da predominância total das forças de segurança é a descrença de que o processo eleitoral possa ser um meio para mudança – afinal, nem a revolta de 2011 e as duas eleições realizadas desde então foram capazes de mudar o ambiente autoritário e a violência policial endêmica no país. O primeiro turno da eleição presidencial registrou baixo comparecimento entre jovens, [7] os que mais se envolveram com as manifestações na praça Tahrir. Para muitos deles, os direitos fundamentais no país sob Sisi estão em pleno retrocesso, em situação mais crítica do que antes e sem perspectiva de mudança. Para muitos, voltar às décadas de 80 e 90 até que não seria má ideia.

Isabelle C. Somma de Castro é pesquisadora de pós-doutorado no Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (NUPRI) e no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, com bolsa FAPESP.

[1] https://www.washingtonpost.com/news/democracy-post/wp/2018/02/19/a-crackdown-by-egypts-sissi-is-devouring-his-own-regime/?utm_term=.d0c4d338d95c 

[2] https://www.nytimes.com/2016/05/26/world/middleeast/egypt-expels-french-journalist-in-rare-move-against-foreign-media.html e http://www.egyptindependent.com/egypt-says-deported-british-journalist-for-violating-foreign-press-regulations/

[3] https://www.aljazeera.com/indepth/features/2017/05/egypt-ngo-law-controversial-170530142008179.html

[4] https://www.pri.org/stories/2017-10-09/meet-civil-rights-defender-egypt-doesn-t-want-you-know-about

[5] https://www.nytimes.com/2017/08/15/magazine/giulio-regeni-italian-graduate-student-tortured-murdered-egypt.html 

[6] http://www.jadaliyya.com/Details/35074/An-Interview-with-Amr-Hamzawy-Reflections-on-the-future-of-democracy-in-Egypt-and-beyond

[7] http://www.egyptindependent.com/low-youth-turnout-2018-presidential-elections/